experiência crítica

intervenções críticas sobre as produções audiovisuais brasileiras contemporâneas

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Se está ruim, lembre-se de que sempre pode piorar...

Este ano começa sem novidades. O jornal Folha de São Paulo, pautado pelo Boletim Filme B, veicula com insistência a notícia de que o Brasil assiste, pelo segundo ano consecutivo, à redução do público dos cinemas. Aqui entre nós, conseqüência óbvia dos índices divulgados em 2006. No entanto, o que mais nos intriga é justamente a ausência de pesquisas que busquem elucidar concretamente as causas de tal fenômeno para que ele, então, possa ser revertido. Assim como observamos na última reportagem de Silvana Arantes, o que impera são apenas especulações de agentes do mercado a respeito deste delicado assunto. O próprio Filme B enfatiza que “a inexistência de pesquisas detalhadas sobre o comportamento e as exigências do público dificulta uma análise mais precisa da situação”. É fato que tais pesquisas já deveriam ter sido elaboradas desde o primeiro resultado de queda no público dos cinemas do Brasil. Quais interesses convergem para a sua não realização? Talvez o problema não seja a pesquisa, mas as conseqüências dos resultados que ela apresentar. A necessidade de mudanças nos mecanismos de financiamento são evidentes, embora os cineastas, como beneficiários diretos, lutem pela sua manutenção. É preciso refletirmos juntos.

No início dos anos 50, quando se comprovou que o sonho do cinema industrial havia naufragado com o colapso da Vera Cruz, mais do que depressa a classe cinematográfica se organizou em congressos e comissões e designou a Jacques Deheinzelin a incumbência de realizar um relatório minucioso sobre a situação econômica da atividade no Brasil. As respostas eram generalistas, como as de hoje, embora tenha se esboçado um pequeno movimento para tentar compreender algumas questões nevrálgicas. Hoje, qualquer atividade nessa direção é nula. A passividade com que se assiste aos resultados desastrosos do mercado cinematográfico é alarmante. Os equívocos históricos persistem. As raras tentativas de acerto nem tanto.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

O inferno são os outros

Os cineastas brasileiros insistem em acusar as distribuidoras de abrirem às portas aos filmes estrangeiros relegando os nacionais. De fato, a quantidade de filmes prontos condenados a permanecer nas prateleiras é alarmante. Dos 15 longas de ficção realizados, nove (60%) não encontraram distribuidora. O problema se acentua em relação aos documentários, já que de 35 concluídos, 24 (~70%) ainda estão órfãos. Embora seja mais fácil classificar as distribuidoras como vilãs, seu comportamento não é causa, mas conseqüência da não adequação do produto fílmico ao veículo a que se destina. Desde a criação da Lei do Audiovisual, podemos constatar a multiplicação de filmes nacionais de arte acompanhada de um surto de documentários, todos feitos para um público muito restrito. Se vão de encontro ao público, obviamente não interessam às distribuidoras. Muitos são recusados até mesmo pelas independentes, como a Pandora. É sinal de que o problema não está no final, mas no início do processo.

terça-feira, dezembro 12, 2006

Novo exemplo da velha discordância entre público e críticos

O céu de Suely é mais um exemplo de filme nacional cujo sucesso se restringe apenas às rodas de críticos. Na terceira semana em cartaz, o longa de Aïnouz acumulou somente 23.817 espectadores, de acordo com o Boletim Filme B. No entanto, além dos inúmeros prêmios já acumulados em festivais, acaba de ser contemplado em três categorias pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) – melhor filme, melhor diretor e melhor atriz (Hermila Guedes). Fizeram parte do comitê de seleção na área de Cinema os jornalistas Christian Petermann, Walter Cezar Addeo, Flávia Guerra, Marcelo Hessel, Marcos Pinho e Luiz Carlos Merten.

Reconhecimento merecido

O ano em que meus pais saíram de férias é o único longa-metragem brasileiro a figurar no ranking do Boletim Filme B onde constam os vinte filmes mais assistidos no Brasil neste final de semana. A obra de Cao Hamburger ocupa 17º lugar e, após seis semanas em cartaz, tem público acumulado de 280.663 espectadores. Embora esteja bem longe da marca de blockbusters como Dois filhos de Francisco, Carandiru e Cidade de Deus, O ano... obteve índice de público considerável, já que a maioria dos filmes nacionais têm dificuldade de ultrapassar a marca dos 50 mil espectadores.

sábado, dezembro 09, 2006

Resultado previsível

Não nos surpreendemos quando constatamos que Incuráveis foi o filme brasileiro menos assistido. Em sua quarta semana em cartaz, o primeiro longa de Gustavo Acioli acumulou o número irrisório de 1.519 espectadores. Dessa forma, o diretor não fez jus ao edital de baixo orçamento, com o qual foi contemplado pela Secretaria do Audiovisual, já que o filme está longe de se pagar. Prova também de que a fórmula de Khouri já está falida.

Brilhante, pero no mucho

Conceição Senna, esposa do atual secretário do Audiovisual do MinC, acaba de estrear no cinema com Brilhante, distribuído pela estatal Riofilme. A sinopse nos faz questionar se o intuito da estreante é rediscutir a situação de pobreza na cidade de Lençóis ou homenagear o esposo, já que o documentário enfoca a gravação do filme Diamante bruto (1977) dirigido por ninguém menos do que Orlando Senna. Se os recentes índices de público de documentários nacionais já comprovam que este não é um gênero próprio para ser exibido em cinemas, por que continuam se proliferando, ainda mais quando trazem temas de pouco interesse, como é o caso de Brilhante? Resta-nos aguardar os números.

quarta-feira, novembro 29, 2006

O Céu de Suely, de Karim Aïnouz (Brasil, 2006)

Um céu muito monótono

Por poucos minutos vivenciei a estranha sensação de estar só, numa sala de cinema (e confesso minha frustração face ao desejo da experiência coletiva). Perguntava-me se o filme era ruim ou se a tarde de segunda-feira não inspirava esse hábito, afinal, não mais do que meia dúzia de pessoas me fizeram companhia até o final da sessão.

O argumento beira o lugar-comum: uma jovem de baixa renda retorna à cidade natal com um filho e, quando se vê abandonada pelo companheiro, apela para a prostituição para obter sustento. A diferença é que, ao invés de se tornar uma profissional do sexo como a colega Georgina, Hermila tem uma solução, digamos, mais criativa: decide rifar a si mesma (no sentido literal) uma única vez.

O conflito e as ações da protagonista podem ser explicados pela dicotomia sonho/realidade. A felicidade torna-se uma representação abstrata e dá lugar à aspereza do cotidiano numa cidadela onde as pessoas dispõem de poucos recursos para sobreviver. Nesse sentido, o contexto em que a história se desenrola não é menos importante, embora relegado a segundo plano: as péssimas condições a que está submetida a população do sertão nordestino e as estratégias a que tem de recorrer para driblar as adversidades, principalmente financeiras. A migração para as grandes metrópoles aparece como solução, ainda que, no caso da protagonista, seja motivada pela esperança (e ilusão) de lá encontrar seu ideal de felicidade.

Na descrição do dia a dia de Hermila na pacata Iguatu sobressai o enfoque na sua relação com a família, os amigos e, em especial, com os homens. Os silêncios e a breve distensão temporal contribuem para nos dar a dimensão da problemática existencial da personagem, cuja interpretação é exemplar. No entanto, a monotonia do cotidiano no vilarejo contamina a narrativa e torna-se ruído a partir do momento em que diversas situações que presenciamos são dispersivas, desinteressantes e, portanto, dispensáveis. Pesa também o fato de que nem todas as relações interpessoais da protagonista se aprofundam, por exemplo, a relação com o próprio filho ou a estabelecida com o moto taxista que havia sido um antigo caso amoroso. Como produto fílmico, O Céu de Suely peca pelo impasse de estar entre o cinema de arte e o comercial, afastando-se de ambos os públicos. Esta certamente é mais uma das razões para levarmos em conta face à sala vazia.

domingo, novembro 26, 2006

Incuráveis, de Gustavo Acioli (Brasil, 2006)

Incurável?

O pessimismo contido no título do filme, acentuado na impactante metáfora da abertura, na qual um urso de pelúcia é estraçalhado a tiros, e que se arrasta durante toda a história também nos assola quando saímos do cinema, embora o final dê margem para interpretações positivas sobre o futuro do casal protagonista. O nosso pessimismo se deve à falta de inventividade recorrente no cinema brasileiro, à nostalgia dos roteiros que apelam para enredos já testados e discutidos há décadas. Afinal, esta não é a primeira vez que presenciamos diálogos vazios entre quatro paredes acerca dos dramas existenciais emersos da breve convivência entre prostituta e cliente. É preciso lembrar que Walter Hugo Khouri, na tentativa de imitar o cinema intimista de Antonioni, já nos havia apresentado semelhante roteiro em Noite Vazia (1964), uma de suas obras mais significativas.

Em vários aspectos, Incuráveis soa como um tributo ao cinema do diretor paulista e o nosso pessimismo aumenta quando comprovamos que alguns problemas também persistem. Em Noite Vazia, o objetivo de Khouri era abordar a falta de ideologia da classe média paulistana a partir dos conflitos de dois casais – dois homens que buscam duas prostitutas e se confinam num apartamento. Já no filme dirigido por Gustavo Acioli, a universalidade do tema, centrado na questão do amor e da sexualidade, se acentua pela ausência de demarcação espacial e de denominação dos personagens. Assim como com o casal formado por Norma Bengel e Gabriele Tinti, novamente a prostituta sonhadora entra em conflito quando se apaixona pelo cliente, neste caso, um bissexual suicida.

Ambos os filmes pecam na superficialidade dos diálogos, que têm a pretensão de nos incitarem reflexão a respeito dos dramas expostos, mas que, na realidade, recaem num psicologismo barato entediante. No caso de Incuráveis, a repetição teatral de frases que demarcam a circularidade das situações vivenciadas pelos protagonistas é outro agravante. Dessa forma, tanto Noite Vazia quanto Incuráveis acabam rompendo a monotonia a partir do erotismo dos corpos nus e das cenas apelativas de sexo. Merece destaque a fotografia dos dois filmes – no primeiro, pelo rigor no retrato das personagens femininas e, neste último, pela composição dos quadros e a textura da imagem, marcada pela tonalidade escura. De resto, tendemos a concordar com uma das espectadoras sentadas ao nosso lado, que comemorou espontaneamente com um “graças a Deus!” o final do filme.

sábado, novembro 25, 2006

Árido Movie, de Lírio Ferreira (Brasil, 2006)

O contraste entre o real e o virtual na representação do sertão

Árido Movie é um filme ambicioso. No intuito de se fazer emblema de um cinema forte pernambucano, Lírio Ferreira (Baile Perfumado, 1996) evoca a tradição e o olhar cinemanovista ao retratar certas mazelas da sociedade nordestina. O objetivo inicial é atingido: a fita obteve seis prêmios neste 10º Cine Pernambuco-Festival do Audiovisual – melhor filme, direção, fotografia, montagem, ator coadjuvante (Selton Mello) e prêmio da crítica. Porém o resultado não é condizente com essa pretensão e a nuance social torna-se ruído numa história centrada no confronto do protagonista com a sua terra natal.

A princípio, vemos Jonas, personagem desfocado, sem identidade, que trabalha em São Paulo numa emissora de televisão e vive imerso na atmosfera digital falando sobre a previsão do tempo de espaços que, para ele, são virtuais. O ambiente onde nasceu e do qual se distanciou, o Vale do Rocha, no sertão pernambucano, está inserido nesse mapa, que deixa de ser virtual a partir do momento em que a família, motivada pela morte de seu pai, exige sua presença. Assim, o espaço do qual tratava com distância torna-se forçosamente real; as nuvens deixam de ser digitais tornando-se visíveis e opressoras.

A mudança do código de valores da metrópole urbanizada, para o universo do sertão, aparece explícita na dialética entre civilização e barbárie. A cultura da violência alimentada por um sistema patriarcal e coronelista calcado no desejo de vingança; a dizimação e a marginalidade do indígena; a venda e o consumo ilegais de maconha; o banditismo local; o uso político da água; o misticismo e a formação de líderes míticos do povo são algumas das características relativas à terra natal do protagonista. Essa idéia de contraste e inversão de valores que permeia todo o filme – interior e capital, aridez e água, branco e mestiço, misticismo e racionalidade – dá nome a um dos estabelecimentos de Zé Elétrico: “Oposto”.

Não existe afinidade de Jonas com a família de sangue, preocupada em revê-lo não por saudosismo, mas para designar-lhe a tarefa de fazer justiça à morte do pai matando seu assassino (a qual recebe com indignação e se recusa a cumprir). Tampouco há afinidade com os antigos amigos, entre os quais, uma ex-namorada, que passam todo o tempo, como diz o jargão, em busca de “sexo, drogas e rock’n roll”. Nem as mesmas drogas são compartilhadas. Enquanto estes se deliciam fumando maconha, Jonas, num momento de extrema tensão, aspira cocaína, droga cara associada ao universo yuppie, do qual ele mais se aproxima.

O olhar distante do protagonista para o código de valores de Rocha se identifica com o de Soledad, videomaker também alheia àquele contexto. Não por acaso, cada um a seu modo, trabalha na esfera da representação, da artificialidade da imagem proporcionada pelo vídeo. Mas, ao contrário de Jonas, atormentado pelo contato com as suas raízes, Soledad se deslumbra com os elementos da cultura nordestina, entre os quais, o discurso vazio do líder Meu Velho que, posteriormente, tutelará a sua exposição. A solidão expressa no nome da artista não deixa de materializar um sentimento que também é do protagonista.

Contudo, é por meio da visão do povo indígena, expressa nas palavras de Zé Elétrico, que Jonas começa a compreender as leis do sertão. E, mais do que isso, a partir do encontro com esse elemento, situado na trincheira social oposta à de sua família de sangue, o filme esboça uma catarse do personagem. Este passa por uma espécie de ritual ao beber um chá purificador que o faz entrar em transe e vislumbrar a sua própria morte, aqui, tomada como símbolo aparente da superação da dor.

O ritual catártico estaria completo e se constituiria como etapa fundamental de transformação psíquica de Jonas, se não fosse a ambigüidade contida na seqüência final (abrupta e que, em parte, decepciona o espectador pelo seu contraste com o restante do filme). Por um lado, a constituição da família aparece como resultado da superação do trauma do protagonista. Por outro, a presença de ambos na exposição concebida por Soledad, em que vídeos e instalações tendem a representar o Nordeste artisticamente, sugere a permanência do status quo, ou seja, da visão distanciada e virtualmente construída de um espaço que não deixa de ser figurativo. A imagem de Jonas, envolvida pela luz azulada da exposição, inspirada no ambiente da casa de Meu Velho e não na luz estourada do sol a pino –, caracteriza o seu retorno para essa atmosfera digital na qual estava emoldurado.

Percebemos, entretanto, um desequilíbrio na narrativa que, embora focada na perturbação de Jonas, por vezes se desloca de forma digressiva para retratar questões ligadas à engrenagem sócio-política e econômica do sertão, sem se aprofundar nelas. O enredo se enfraquece em face da pretensão de ser também um filme de cunho social sobre a realidade nordestina, tal como expresso nas citações e inspirações estéticas de fitas do Cinema Novo, como Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967), na câmera que, durante os créditos, desloca-se do mar para o litoral, e Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963), pela luz amarela estourada da fotografia de Murilo Salles. Destoa dessa intenção engajada o ar burlesco conferido ao núcleo dos amigos maconheiros, até mesmo pelo fato de que o título da referida obra de Nelson Pereira, que inspira esteticamente todo o filme, torna-se uma infame piada para o grupo.