experiência crítica

intervenções críticas sobre as produções audiovisuais brasileiras contemporâneas

quarta-feira, novembro 29, 2006

O Céu de Suely, de Karim Aïnouz (Brasil, 2006)

Um céu muito monótono

Por poucos minutos vivenciei a estranha sensação de estar só, numa sala de cinema (e confesso minha frustração face ao desejo da experiência coletiva). Perguntava-me se o filme era ruim ou se a tarde de segunda-feira não inspirava esse hábito, afinal, não mais do que meia dúzia de pessoas me fizeram companhia até o final da sessão.

O argumento beira o lugar-comum: uma jovem de baixa renda retorna à cidade natal com um filho e, quando se vê abandonada pelo companheiro, apela para a prostituição para obter sustento. A diferença é que, ao invés de se tornar uma profissional do sexo como a colega Georgina, Hermila tem uma solução, digamos, mais criativa: decide rifar a si mesma (no sentido literal) uma única vez.

O conflito e as ações da protagonista podem ser explicados pela dicotomia sonho/realidade. A felicidade torna-se uma representação abstrata e dá lugar à aspereza do cotidiano numa cidadela onde as pessoas dispõem de poucos recursos para sobreviver. Nesse sentido, o contexto em que a história se desenrola não é menos importante, embora relegado a segundo plano: as péssimas condições a que está submetida a população do sertão nordestino e as estratégias a que tem de recorrer para driblar as adversidades, principalmente financeiras. A migração para as grandes metrópoles aparece como solução, ainda que, no caso da protagonista, seja motivada pela esperança (e ilusão) de lá encontrar seu ideal de felicidade.

Na descrição do dia a dia de Hermila na pacata Iguatu sobressai o enfoque na sua relação com a família, os amigos e, em especial, com os homens. Os silêncios e a breve distensão temporal contribuem para nos dar a dimensão da problemática existencial da personagem, cuja interpretação é exemplar. No entanto, a monotonia do cotidiano no vilarejo contamina a narrativa e torna-se ruído a partir do momento em que diversas situações que presenciamos são dispersivas, desinteressantes e, portanto, dispensáveis. Pesa também o fato de que nem todas as relações interpessoais da protagonista se aprofundam, por exemplo, a relação com o próprio filho ou a estabelecida com o moto taxista que havia sido um antigo caso amoroso. Como produto fílmico, O Céu de Suely peca pelo impasse de estar entre o cinema de arte e o comercial, afastando-se de ambos os públicos. Esta certamente é mais uma das razões para levarmos em conta face à sala vazia.

1 Comments:

  • At 4:16 PM, Blogger Alessandra Possebon said…

    mto bom o texto.
    eu tb não gostei do filme...fiquei adiantando o tempo todo( assisti em DVD).Me impressionou o numero de prêmios que o filme ganhou.

     

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