experiência crítica

intervenções críticas sobre as produções audiovisuais brasileiras contemporâneas

domingo, novembro 26, 2006

Incuráveis, de Gustavo Acioli (Brasil, 2006)

Incurável?

O pessimismo contido no título do filme, acentuado na impactante metáfora da abertura, na qual um urso de pelúcia é estraçalhado a tiros, e que se arrasta durante toda a história também nos assola quando saímos do cinema, embora o final dê margem para interpretações positivas sobre o futuro do casal protagonista. O nosso pessimismo se deve à falta de inventividade recorrente no cinema brasileiro, à nostalgia dos roteiros que apelam para enredos já testados e discutidos há décadas. Afinal, esta não é a primeira vez que presenciamos diálogos vazios entre quatro paredes acerca dos dramas existenciais emersos da breve convivência entre prostituta e cliente. É preciso lembrar que Walter Hugo Khouri, na tentativa de imitar o cinema intimista de Antonioni, já nos havia apresentado semelhante roteiro em Noite Vazia (1964), uma de suas obras mais significativas.

Em vários aspectos, Incuráveis soa como um tributo ao cinema do diretor paulista e o nosso pessimismo aumenta quando comprovamos que alguns problemas também persistem. Em Noite Vazia, o objetivo de Khouri era abordar a falta de ideologia da classe média paulistana a partir dos conflitos de dois casais – dois homens que buscam duas prostitutas e se confinam num apartamento. Já no filme dirigido por Gustavo Acioli, a universalidade do tema, centrado na questão do amor e da sexualidade, se acentua pela ausência de demarcação espacial e de denominação dos personagens. Assim como com o casal formado por Norma Bengel e Gabriele Tinti, novamente a prostituta sonhadora entra em conflito quando se apaixona pelo cliente, neste caso, um bissexual suicida.

Ambos os filmes pecam na superficialidade dos diálogos, que têm a pretensão de nos incitarem reflexão a respeito dos dramas expostos, mas que, na realidade, recaem num psicologismo barato entediante. No caso de Incuráveis, a repetição teatral de frases que demarcam a circularidade das situações vivenciadas pelos protagonistas é outro agravante. Dessa forma, tanto Noite Vazia quanto Incuráveis acabam rompendo a monotonia a partir do erotismo dos corpos nus e das cenas apelativas de sexo. Merece destaque a fotografia dos dois filmes – no primeiro, pelo rigor no retrato das personagens femininas e, neste último, pela composição dos quadros e a textura da imagem, marcada pela tonalidade escura. De resto, tendemos a concordar com uma das espectadoras sentadas ao nosso lado, que comemorou espontaneamente com um “graças a Deus!” o final do filme.